Uma conversa sobre a vivência e os principais problemas encontrados para a busca de “coordenadores de especialismos”, segundo diretor pedagógico da Allevant.

Não se passa 45 anos ministrando aulas impunemente. Dessa minha experiência, não saí nem completamente ileso, nem completamente lesado. Ensinei ao mesmo tempo em que aprendi. Talvez tenha aprendido mais do que ensinado. E posso dizer que algo conheço sobre a educação em engenharia no país.

Qual o aspecto que mais impacta na busca por coordenadores de especialismos?

Um dos aspectos mais problemáticos e que, infelizmente, não é “privilégio” só das engenharias, é o processo de especialização acadêmica e de prática de atividades especializadas por pesquisadores, professores e alguns profissionais, nas universidades e centros universitários, com títulos de doutores (que em casos denomino ‘doutoróides’) que não foram ensinados e, portanto, não estão capacitados a se tornarem “coordenadores de especialismos” ou “transespecialistas”. Essas expressões não são minhas, são do sociólogo Gilberto Freyre, e constam no livro “Homens, engenharias e rumos sociais”, de 1987.

Para questões de definição, “coordenador de especialismo” é alguém que não está preocupado apenas com a sua especialidade,  sua parte no trabalho, na atividade que desenvolve, mas sim tem um visão do conjunto e sabe como uma parte afeta a outra e se integra com a outra. Ou seja, é a pessoa que coordena as especialidades e os especialistas.

As diferentes engenharias

Nessa obra, por “engenharias” o autor não se refere apenas às mais óbvias – Civil, Elétrica, Mecânica, entre as várias outras. A essas ele inclui na categoria da engenharia física, que “se manifesta em quase todas as técnicas, ou construções, a serviço essencial e imediato dos homens: casas, pontes, instrumentos de trabalho, veículos, equipamentos”; e, acrescento, todo o complexo relacionado ao saneamento básico: sistemas de abastecimento de água, de coleta e tratamento de esgoto, de gestão de resíduos sólidos e de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.

Quem voltar sua atenção para os serviços de abastecimento de água, por exemplo, não terá dificuldade de encontrar a ação da “especialização” concretizada na comum “briga” entre os projetistas e os operadores; como se a atuação deles fosse separada e não se integrasse num objetivo sistêmico que os ultrapassa e abrange: o abastecimento de água para a população; objetivo que está intimamente ligado às outras duas categorias de engenharia definidas por Gilberto Freyre: a engenharia humana, que trata da relação dos homens com as coisas (com a água, por exemplo); e a engenharia social, que trata “das inter-relações de ordem social entre homens uns com os outros e de métodos com instituições de várias espécies dentro de uma sociedade humana” (as relações dos serviços de saneamento com o cliente, por exemplo).

Quais são as maiores dificuldades dentro da boa formação?

Além do processo de especialização excessivo, e concorrendo para dificultar a boa formação do profissional, existem dois outros traços da educação em engenharia dignos de nota: o desconhecimento do mais básico e a ignorância do que é mais avançado. Para ilustrar isso, vou apelar para experiências que tive recentemente e que corroboram as impressões que venho acumulando ao longo desses 45 anos.

Ministrando cursos para engenheiros formados que já atuam em serviços de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário, não é raro perceber lacunas conceituais, por exemplo, em hidráulica. Isto para ilustrar o desconhecimento do básico. Com relação ao outro traço, a ignorância sobre o que é mais avançado, aponto a quase total falta de familiaridade dos profissionais com a Modelagem de Informação da Construção (BIM), metodologia que já não é novidade em outros países.

A visão losangolar no ensino para a formação de “coordenadores de especialismos”

Nas aulas que ministro e nos cursos que coordeno, busco trabalhar os pontos acima chamando a atenção para o que chamo de “visão losangolar” e de “soluções carimbo”. A primeira a ser adotada e aplicada, a última a ser abandonada.

Ter uma visão losangolar significa partir de uma situação específica, entendê-la em suas relações sistêmicas, e voltar a ela munido de uma perspectiva mais integrada a respeito de um dado problema.

Adotar soluções “carimbo”, ao contrário, é aplicar regras gerais a casos específicos, ignorando o nosso caráter situacional. Como diz Gilberto Freyre, somos “seres situacionais”, “homens situados”: situados num tempo, situados num espaço, por eles influenciados e capazes de neles influenciar.

Assim, creio, podemos dar alguns passos na formação de profissionais “coordenadores de especialismos”.

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