Cerca de 4 milhões de pessoas vivem em áreas com altíssimo risco de desastres naturais, como o que aconteceu no litoral paulista no último fim de semana, e como os que vêm acontecendo no Brasil há muito tempo.

No Brasil foram mapeadas 13,5 mil áreas de risco para desastres naturais geológicos ou hidrológicos. Esse levantamento foi feito pelo Sistema Federal de Proteção e Defesa Civil, através do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM). Isto significa que cerca de 4 milhões de pessoas vivem em áreas com altíssimo risco de desastre natural; desastre como o que aconteceu no litoral paulista no último fim de semana. Desastre como os que vêm acontecendo no Brasil há muito tempo.

Um histórico dos desastres naturais no Brasil.

Para nos lembrarmos daqueles mais graves: registraram-se enchentes e deslizamentos em 1855 (Santa Catarina), em 1967 (Caraguatatuba), 1979 (Minas Gerais e Espírito Santo), 2008 (Santa Catarina), 2010 (Rio de Janeiro, São Paulo, Alagoas e Pernambuco). Cada um desses episódios, claro, ocorreu em contextos diferentes, com diferentes níveis de urbanização, diferentes volumes de chuva, distintos aspectos geográficos, mas todas têm em comum a destruição, a perda de vidas, o desalojamento e a radical mudança de vida sofrida pelas vítimas.

Nós, brasileiros, precisamos aprender com o passado. Nós, brasileiros, precisamos abandonar a tendência de, a cada 15 minutos, nos esquecermos do que aconteceu nos últimos 15 (tal como sarcasticamente o escritor Ivan Lessa definiu a nossa falta de memória). Precisamos entender que essa Percepção Episódica da realidade pode ser considerada como uma deficiência cognitiva (listada pelo psicólogo Reuven Feurstein); ou seja, é uma falta de eficiência da inteligência humana e, portanto, um dos componentes de uma fórmula certa para pensarmos errado: ao nos fazermos de surdos às vozes de problemas passados, inevitavelmente escutaremos, num futuro, além dos seus ecos, sons mais graves. Muito mais graves. E os episódios ligados às recentes chuvas no litoral de São Paulo ilustram tragicamente isso.

Mas e se o problema da chuva for o mesmo que o da seca?

Deixe-me explicar. Na década de 1930, refletindo sobre a vida social da caatinga no livro “Brejos e Carrascais do Nordeste”, Aurélio de Limeira Tejo afirmou que a solução para a realidade do problema da seca ou “foi esquecida”, ou “não há interesse em descobri-la”; daí “tudo quanto se tem feito para combater o flagelo tem resultado de uma grande e inútil sentimentalidade”.

Em síntese, o seu argumento é o seguinte:

  1. É preciso compreender que as longas estiagens constituem a normalidade meteorológica dos sertões nordestinos;
  2. Portanto, o fenômeno da seca se repetirá; “ou melhor, a seca continuará sendo normalidade”;
  3. A solução para “eliminar as consequências de uma situação que, apesar de normal, não é confortável” passa, não pelo combate à seca, mas pelo convívio inteligente com ela.

Daí a pergunta: e se o problema da chuva for o da seca? Quero dizer: e se o problema que enfrentamos hoje no litoral de São Paulo for o fato de, ao longo das décadas, não compreendermos realmente a chuva e o ciclo hidrológico e a sua normalidade (ainda que passe por variações, por vezes, consideráveis)?

Ou será que esse conhecimento foi esquecido e não lembramos que, dependendo do volume das chuvas, os cursos d’água naturalmente transbordam e as encostas se erodem e desbarrancam, e que tudo piora se aqueles foram encanados, desviados, e estas foram ocupadas, invadidas, tomadas por mil e uma edificações?

E se “a causa real desse espetáculo [das enchentes como o da seca] é, tão e só, a inexistência de uma compreensão (…) do meio”? Ou a deliberada, negligente, irresponsável e, muito provavelmente, criminosa ignorância dessa compreensão?

“Não se domina o meio subvertendo as suas leis naturais, mas interpretando-o, equacionando-o a uma solução”, ainda afirmou, Limeira Tejo, lá na década de 1930.

Não deve ter sido o primeiro a dizer isso. É algo óbvio? Sim, mas quem disse que as obviedades são sempre levadas em conta?

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